segunda-feira, 22 de março de 2010

lembranças da minha infância


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais! ....
Casimiro de Abreu
 
Que os anos não trazem mais??...

Ah!...trazem sim...
Pois acabei de , viajando pelas asas da imaginação desembarcar diretamente no quintal da minha casa de 70 anos atrás.
E ...lá estava ele intacto .
Ao fundo e ao lado,muros altos de tijolos.
Na frente e do outro lado, cercas de arame farpado
Na frente junto ao arame , havia sido plantada uma cerca viva de “ Fícus“, muito bela, mas que requeria ser constantemente aparada para manter a forma .
Na cerca do lado,um canteiro em toda extensão do terreno com toda variedade de plantas desde pés de tomateiro,de pimentão , roseiras, um pé de mamoeiro sempre provido de mamões .
Na parte da frente um arbusto de acácia ,que quando era a época da floração vestia-se inteiramente com um manto amarelo,muito bonito .
Tinha também junto a essa cerca diversas plantas trepadeiras ,um pé de chuchu,um de favas (que mais tarde vim a saber que o nome era Labe-labe) e outro pé de maracujá, todos frutificando e coexistindo pacificamente .
No centro propriamente do jardim ,tinha plantada uma palmeira que foi herança de minha Avó,alta imensa . Interessante ,nunca me despertou o interesse em escala-la .
Dentro daqueles limites eu me sentia dentro do meu mundo, era o meu universo .
A rua era sem calçamento e nos dias chuvosos, para sairmos de casa, atolávamos os sapatos naquela lama, isso era muito desagradável.
Mas não importava,para mim dentro daqueles limites estava o meu mundo, não importava o que estivesse fora de suas fronteiras .
Na parte de traz do quintal , um pé de mangueira, que na ocasião pelo meu pequeno porte,quando a olhava de baixo ,tinha a impressão que seus galhos se emaranhavam nas nuvens. Era muita imaginação .
No galho mais baixo e que suportava mais o peso, meu pai colocou uma corda com um assento de tabua fazendo um balanço,era o lazer preferido meu, e de meus irmãos, sendo eles maiores que eu, a altura ficava um pouco alta para que eu pudesse dar o impulso com os pés.
Então eu pedia a meus irmãos .
-Me balança?
Algum deles vinha e balançava . Eu pedia:
-Balança mais? Chatinha eu ,não?
Lá pelas tantas eles se enchiam e começavam a balançar cada vez mais alto ,tão alto que dava para enchergar o telhado de nossa casa.
O medo fazia contorções no meu estomago, até que não agüentava mais e berrava M Ã E! ! !
Bem feito , quem mandava eu ser tão insistente .
Pouco depois eu peguei o jeito e esticando o corpo, já dava para dar o impulso inicial sem a ajuda de ninguém.
Na época própria esse mesmo pé de mangueira nos fornecia tanta manga,que meus Pais davam para toda a vizinhança,parentes,conhecidos e não dava vencimento .
Para não apodrecerem ao tempo, meu Pai as enterrava num buraco e cobria com terra para evitar moscas e outros insetos .
Essa arvore para mim era um posto de observação do mundo exterior.
Muito abusada que eu era,volta e meia ,com a ajuda dos manos mais velhos (muito a contra vontade de minha Mãe) lá subia eu, naquela mangueira imensa,sempre querendo ir mais alto ...mais alto ...
De lá avistava o horizonte, os telhados das casas, aVia férrea,por vezes algum trem passando, avistava longe, bem longe, pois naquela ocasião, por ali, só haviam casas térreas .
Ficava eu ,me deliciando com aquela visão tão ampla .
Na hora de descer ,meus irmãos me chamavam.
-Vem, vamos descer!
Eu teimosamente respondia
-Deixa eu ficar mais um pouco,depois eu desço, descer eu sei .
E ficava ,ali perdida em imaginações .
Passado algum tempo minha mãe chamava, para almoçar, ou por qualquer outro motivo .
Aí, é que a coisa complicava . Não iria pedir ajuda , pois não quisera na hora em que me chamaram, mas tudo bem, lá ia eu assumir a minha opção .
Na parte mais alta da arvore, era mais fácil, porque os galhos ficavam mais perto uns dos outros e agarrada num galho ,meus pés alcançavam o galho que vinha logo abaixo .
Então com muita cautela , eu ia seguindo na minha empreitada .
Desce daqui, segura ali, tudo bem até a hora que chegava no tronco aonde não haviam mais galhos embaixo . Medo ... Mais vamos lá . Abraçava bem firmemente com os braços e as pernas o tronco da arvore , e ia descendo, as vezes conseguia chegar inteira ao chão, mas em outras ocasiões faltava a resistencia necessária, pois afinal meus membros eram muito pequenos e eu perdendo as forças, não largava, mas, pela ação da gravidade descia tronco abaixo ralando tudo, pernas, peito, braços .
Pronto estava completa desgraceira e a choradeira era inevitável .
Mercúrio cromo , gaze, esparadrapo, para concertar o estrago feito .
A pobre da minha Mãe, fazendo os curativos , se preocupava e dizia .
-Minha filha evita essas travessuras,você vai ficar uma moça cheia de cicatrizes.
Promete que não faz mais isso?
Eu até prometia .... Mas cumprir já era outro capitulo .
Junto a essa mesma mangueira havia uma nascente de água constante,era somente um filete de água que corria pelo lado do quintal e desaguava na rua .
Era uma inspiração para os meus devaneios.
Sentada na calçada junto aquele riacho imaginário, sentia como se estivesse me banhando naquelas águas .
Depois fazendo um barquinho de papel . colocava ele para navegar ,quando chegava o final voltava com ele ao inicio .
Eram momentos de puro enlevo,que só as crianças conseguem enxergar .
Um pouco mais tarde , eu resolvia colocar algumas formiguinhas no barquinho para navegar.
Não era sempre , mas em algum momento ,a parte mázinha da criança aflorava,e eu resolvia fazer com que o barquinho naufragasse , sem culpas , pois elas rapidamente alcançavam as margens e iam cuidar das próprias vidas.
Cansada daquele brinquedo , ou porque minha Mãe me chamasse, eu ia para perto dela, lá estava ela passando roupa com ferro a carvão . Grande , pesadão .
Era minha a obrigação abanar as brasas , para que não apagassem .
Lembro que eu tinha uma boneca de celulóide, que era um material parecido com o plástico,mas muito mais frágil sem resistência alguma ao calor . Em uma ocasião que estava avivando as brasas, quando sai de perto,esqueci e deixei a boneca encostada no ferro, quando voltei o estrago estava feito , ela havia derretido toda, a tristeza foi total.
Minha Mãe me consolando dizia:
-Precisa tomar mais cuidado,filha .
A pobre nem mencionou o trabalhão que teve para limpar aquele estrago,na mesa e no ferro .
Pouco depois ela ia para cozinha preparar a janta . O fogão também era a lenha, um trambolho imenso todo de ferro, com quatro bocas, de vez em quando também competia a mim abanar as brasas para aviva-las. O bule de café era mantido na chapa para conservar o café sempre quente .
Nem sei se era bom pois eu nem gostava de café . Hoje em dia ,como gosto!
Nas noites de verão minha Mãe molhava as paredes para refrescar a casa, e nós ficávamos perto dela só para pegar os respingos.
Nem sei se o ar refrigerado proporciona, hoje em dia, tanto frescor como sentíamos naquelas noites.
Só mesmo criança !!!
Não sei se quando o poeta afirmou
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais! ....

O sentimento dele era de melancolia ou tristeza .
Só sei que nesse momento o meu sentimento é de doces recordações, daquele mundo que era só nosso aonde eu sentia a segurança de um forte inexpugnável, que na minha imaginação era eternamente Meu .
ANBS
 
 
 
 

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